Muito me espantou o artigo “Crueldade Tantálica”, veiculado no site Criatório de Curió Jaú (http://www.curiojau.hpg.com.br/), pertencente ao senhor Antonio Russi, de autoria de Gilson Barbosa(Bahia). O espanto surgiu, não deveria, pois o referido autor em defesa do indefensável utilizou-se de sofismas pretensamente eruditos, de idéias circulares para justificar o amor que nutre aos pássaros. Amor esse que encarcera seu objeto de desejo, para tê-lo em seus cuidados, oferecendo guarida, alimento, água, pasmem espaço para se movimentar, livre de doenças e de seus predadores naturais. Um mundo asséptico, anti-natural.
Não poderíamos deixar de perceber que o autor seja um aficionado e partindo dessa situação faz uma representação descuidada sobre seu estado e grau de interesse. Talvez não sabia ou nunca pensou que existe dois conceitos embutidos nesta discussão: o que é natural e o que é cultural. O homem ao buscar sua emancipação produziu cultura e transformou o que é natural. Mesmo sendo homem natural, por oposição também tornou-se cultural. Ou seja, de sua natureza primeira, construiu, elaborou, teceu, permitiu que, da produção para sobrevivência surgissem tanto do meio natural, como da transformação do natural pela cultural. E dessa forma tornando-se afeiçoado e “avançando” em seu estágio cultural pode aprisionar a representação do natural, do simbólico da liberdade, e trazer para perto de si, para se sentir um pouco mais natural e um pouco mais liberto.
Não existe romantismo, nem amor desabusado, muito menos intocabilidade. Quem defende a liberdade das aves, dos animais, a defesa dos biomas, também pensa no uso sustentável dos recursos naturais. Enxerga que, somente poderemos viver com qualidade com a conservação do que resta e a recuperação daquilo que ainda é possível. A visão é que não pensemos somente no mundo natural e sim como interferimos com nossa cultura nesse mundo natural. Sem descuidarmos que neste processo, é a luta que os homens ensejam pela libertação do seu estado de desconhecimento, das amarras dos preconceitos. Mais ainda, que pensemos no avanço da interação socioambiental.
Outra idéia-força do artigo, é que não podemos humanizar em demasia as aves. Neste ponto concordamos, se não podemos humanizar, muito menos tornar as aves objetos, como enfeites ou apêndices. Uma ave não é um objeto animado, ocupa um lugar, em um certo tempo, distingui-se dos demais, se produz e reproduz, exerce um papel, tem uma função, faz parte de um todo, responde a estímulos, possui herança genética.
Talvez a crueldade tantálica neste caso, seja ver e não enxergar e não permitir a expansão dos horizontes. Quando constatamos que existe a escassez ou até a inexistência de determinadas espécies em uma certa região. Não foi somente o tráfico ilegal de espécies silvestres que levou a este quadro e sim, também a caça e o aprisionamento irrefletido de supostos amantes dos pássaros. O que foi aprisionado em determinada época, deixou sua condição de espécie silvestre? Outra idéia que não se sustenta, a ave aprisionada por muito tempo, não desenvolve amor pela gaiola e por seu criador, é sim uma relação de dependência por aquele espaço circunscrito e pela regularidade de sua alimentação. Como diriam alguns amigos, elas não cantam, apenas lamentam.
Reiterando, a principal crueldade tantálica não é aquela cometida contra as aves, é aquela absurdamente reafirmada para si mesmo.